De todas as frases que eu costumo escutar da minha mãe - eu não sou empregada de ninguém - sem dúvidas, é uma das mais frequentes. Deve ser por isso que eu cresci pensando que, quando eu me tornasse adulta o suficiente, com toda a certeza do mundo eu teria uma empregada. E bom, desde cedo eu nunca me preocupei com a organização - do meu quarto - por exemplo, ou com a qualidade com que eu lavava uma louça. Afinal, aquele trabalho era provisório e com certeza não era pra mim.
O fato é que, a cultura da empregada não estava apenas na cabeça da minha mãe, já que, as minhas tias também tinham empregadas, e as que não tinham, reclamavam porque queriam ter. Assim como todas as amigas da minha mãe. Ter uma empregada era símbolo de status, e na grande maioria das vezes, nos casos em que citei acima, os responsáveis por pagar o salário de uma empregada eram os maridos. Poderíamos afirmar, inclusive, que aqui nasce a desconstrução do masculino provedor. Afinal, os maridos que não pagavam por uma empregada, na sua grande maioria, achavam que o serviço doméstico era obrigação da boa esposa. Já os que pagavam, se preocupavam com o bem estar da sua mulher. De gerar inveja mesmo, não é? Afinal, ninguém queria ser - como diria a minha mãe - a empregada de ninguém.
Sendo assim a minha mãe me ensinou que eu nasci pra trabalhar fora, ganhar o meu próprio dinheiro, pagar a minha própria empregada, e não deveria dar ouvidos a absolutamente ninguém que tentasse me convencer de eu merecia menos do que isso. Eu não só ouvi a minha mãe, como também, já na escola, fomos motivadas a nos tornarmos mulheres de sucesso, incentivadas a entrar em excelentes faculdades e dedicar a nossa vida a construir uma carreira que pudesse mudar o mundo e servir a nossa comunidade. Ninguém nunca falou sobre isso abertamente, porém, todas nós sabíamos que - nos tornarmos a empregada de alguém - era um sinal claro de que nós teríamos fracassado.
Agora, para um segundo, aqui comigo, pra pensar na lógica dessa construção social. A partir do momento em que eu, mulher, ascendo na minha carreira, ganho o meu próprio dinheiro, trabalho muito, e contrato uma empregada, quem é essa que, na maioria das vezes mulher (tanto é que a palavra empregada é quase sempre citada no pronome feminino), que se dispõem a ser - A MINHA - empregada? Me responde com honestidade, te parece justo?
Claramente eu não estou defendendo modelos de relacionamentos antiquados, onde o homem trabalha fora e a mulher é responsável pelo serviço doméstico, eu fui educada pela minha mãe, que não é empregada de ninguém, te lembra?
O que eu quero refletir aqui é a seguinte questão, partindo do princípio, quais são as tarefas de uma empregada doméstica? Limpar a minha casa, o meu banheiro, a minha cozinha, lavar a minha louça, as minhas roupas, organizar a minha casa, cozinhar a minha comida, limpar os descartes do meu cachorro, dar água para as minhas plantas, cortar a minha grama, podar as minhas árvores, cuidar dos meus filhos, entre outras tarefas.
Em outras palavras, será que não estamos terceirizando nossas responsabilidades primárias na ânsia de provar ao mundo que somos capazes? Ok, obviamente nós somos capazes, mas capazes de que? De competir em um mercado de trabalho absolutamente masculino (criado por homens e para homens) enquanto nós simplesmente nos igualamos e nos adaptamos a eles, aceitando soluções que eles criaram para os nossos "problemas"? Isso, é claro, se você pensa que, administrar uma casa, cuidar da sua alimentação, manter as suas roupas limpas e passar tempo com os seus filhos são problemas.
Será que, se nós não precisássemos competir neste mercado carniceiro, não repensaríamos a terceirização das nossas responsabilidades? Afinal, se eu produzo lixo, a responsabilidade de descartá-lo é minha e somente minha. Assim como, se eu utilizo uma cozinha para preparar o meu alimento, é minha responsabilidade deixar esta cozinha limpa. Eu nem vou falar sobre os filhos.
A gente quer enriquecer pra terceirizar as nossas responsabilidades, mas será possível sermos capazes de assumis grandes responsabilidades se não estamos comprometidos com as nossas pequenas responsabilidades, não como gestores, mas como seres humanos? Me respondam vocês.
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