Tem momentos em que nós, mulheres que estudamos em escola mista, tivemos o direito de cursar uma faculdade, sabemos que ser bem sucedida é permitido e conhecemos alguém, nem que seja alguma mulher da nossa cidade, que alcançou um grande cargo em uma grande empresa, tem momentos em que nós simplesmente pensamos que alcançamos todos os lugares e direitos sociais, e que, muitas vezes, a nossa falta de sucesso é culpa inteiramente da nossa incapacidade.
Uma baita de uma mentira, aparentemente. A verdade é que, o único trabalho o qual tínhamos o direito de exercer, e éramos louvadas por isso, até a década de 50, era o de dona de casa - dentro de casa para aquelas que tinham a honra (na minha opinião a sorte) de se casar.
Vamos voltar um pouquinho mais no tempo, mais especificamente para a França do século XII, onde nasce a Inquisição.
"um grupo de instituições dentro do sistema jurídico da Igreja Católica Romana cujo objetivo era combater a heresia, blasfémia, bruxaria e costumes considerados desviantes"
Fonte: Wikipédia
Em seu auge, nos séculos XVI e XVII, durante a Inquisição, as mulheres, acusadas de bruxaria, passam a ser o principal alvo.
'O clérigo católico Heinrich Kramer afirmou em 1487, no seu livro, Malleus Maleficarum, que “as mulheres têm tendência natural a se tornarem bruxas”.'
"O “Martelo das bruxas”, publicado em 1487, consiste no principal registro sobre quais eram as características utilizadas para a identificação das mulheres que seriam condenadas."
FONTE: https://psibr.com.br/
Andamos novamente no tempo, pulamos para o futuro, mais precisamente no século XVIII, quando as fábricas surgiram junto ao desenvolvimento da tecnologia e as mulheres passaram a trabalhar dentro do setor fabril em atividades compatíveis com as que exerciam dentro de casa. Ou seja, elas “podiam” trabalhar porém servindo comida e limpando os espaços, as condições de trabalho eram degradantes e a remuneração sempre inferior à dos homens. Uma das justificativas masculinas para tal diferença é de que não havia a necessidade de mulheres ganharem mais pois elas tinham quem as sustentasse. No caso, os próprios homens.
Fonte: https://safe.space/
Foi aqui, que a nossa luta de fato começou (antes disso ainda estávamos fugindo e/ou sobrevivendo ao massacre).
Em 1923 as mulheres conquistam o direito de votar por força do movimento sufragista, motivadas pela força de revolução feminina que preenche a história global naquela década. Desde essa época só era considerada pessoa cidadã aquela que votava, portanto este foi um grande passo em direção a busca por direitos trabalhistas.
Lá por 1930 a 1970 algumas mulheres foram "obrigadas a ir a luta", a realidade mais comum da época era a de famílias pobres, em que o trabalho dos homens não era suficiente para sustentar a casa e muitos deles estavam lutando na guerra. Por essa realidade, a mulher partiu para o mercado de trabalho como empregada, lavadeira, cozinheira, cuidadora de idosos, telefonistas e secretárias ou dentro dos comércios. Mas não pense que a realidade foi florida para elas. Os assédios e preconceitos se tornaram constantes e o corpo feminino era infinitamente sexualizado. O salário para as mulheres chegava a ser 70% menor do que o dos homens na época.
A partir daqui o movimento feminista passou a tomar proporções mundiais fazendo com que os papéis sociais da figura feminina fossem contestados e forçados a ressignificação. No mercado de trabalho, primeiro as mulheres tiveram que atuar nos batalhões da base ou linhas de produção e depois foram subindo lentamente na linha hierárquica.
Fonte: https://safe.space/
Bom, vamos concordar que a década de 1980, que foi quando começamos (veja bem, somente começamos) a subir na linha hierárquica, é logo ali - são apenas 43 aninhos atrás.
Obviamente, a luta não está vencida, pelo contrário, nós ainda estamos no meio dela - ou seja, você está ai se culpando, achando que não é capaz, seguindo milhares de perfis com o estereótipo da girl boss, comprando cursos de outras mulheres para aprender com elas, e sonhando com a sua primeira bolsa de luxo - achando que é só trabalhar que se chega lá.
Meu bem, desculpa terminar com o seu otimismo, mas não é. O mercado de trabalho ainda é carniceria, e a gente ainda precisa conquistar o respeito, não só do homens, mas também das mulheres que já estão lá em cima. Você já reparou nisso?
Vamos voltar a cultura da inquisição (aquela que caçava as mulheres):
"Qualquer um suspeito de conhecer a heresia de outrem e que não fizesse a denúncia obrigatória seria excomungado e a seguir sujeito ele mesmo à acusação como "promotor de heresia". Se o denunciante nomeasse outros potenciais denunciantes, estes seriam também convocados. O ônus da justificação ficava com o acusado. As denúncias foram usadas por muitos como vingança pessoal contra vizinhos e parentes, para eliminar rivais nos negócios ou no comércio. "
Fonte: Wikipédia
Eu arriscaria dizer que, enquanto mulheres, foi aqui que nós desenvolvemos dois comportamentos desprezíveis:
O primeiro deles, calar. Afinal, se eu fosse casada com um homem que denunciasse outra mulher por heresia ou bruxaria, eu me calaria. Afinal, defendendo uma acusada, eu me tornaria cúmplice ou complacente, não é mesmo?
O segundo, Invalidar. Afinal, caso eu fosse acusada, suspeita, ou amiga de alguém nestas condições, obviamente, eu teria de acusar, para não ser acusada.
Talvez foi aqui que nasceu a desprezível rivalidade feminina com a qual ainda coexistimos até hoje. Afinal, no mercado de trabalho, a situação não era diferente. Não tinha espaço para todas nós (e ainda não tem), muito menos quando falamos de bons cargos e salários. Ou seja, eu preciso ser melhor do que ela, se eu quiser ser digna daquele lugar.
A gente, inclusive, costuma vitimizar as mulheres casadas que não poderiam trabalhar fora e ainda eram anuladas por serem sustentadas, ou condenadas a cuidar da casa e da família. Meu bem, você já parou pra pensar em todas as mulheres que viveram neste tempo e nem ser quer tiveram a chance de casar?
Muito antes da inquisição, nós já fomos estimuladas a brigar por bons homens, e essa briga hoje em dia pode sim ser conduzida por um ego imenso, mas naquele tempo, guria, era uma questão de pura sobrevivência.
Pula pra 2023, e me conta, você AINDA invalida outras mulheres pra conseguir o que quer? Porque ainda tem muita mulher que invalida, e eu, particularmente, sinto vergonha alheia deste comportamento ignorante e, no mínimo, egocêntrico.
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